Ouvi hoje de manhã na rádio um dos candidatos a Primeiro Ministro a anunciar o lançamento das suas propostas, e a dizer algo como “é preciso ter ideias, ter um plano, e não ter vergonha das suas ideias”.
Isto fez-me rapidamente ir ler com atenção o último programa proposto pelo mesmo, “PROGRAMA DO XVII GOVERNO CONSTITUCIONAL 2005-2009”. Na página 8 são traçados alguns rumos:
Portugal precisa de um rumo. A agenda do Governo para retomar o crescimento da nossa
economia, de modo a integrá-la na sociedade do conhecimento, consiste em:
· Recuperar a confiança e mobilizar a capacidade dos portugueses para enfrentar
dificuldades e rasgar novas fronteiras;
· Lançar um ambicioso Plano Tecnológico, convocando o País para a sociedade da
informação, para a inovação, para a ciência e a tecnologia, e para a qualificação dos
recursos humanos;
· Promover a eficiência do investimento e das empresas, apoiando o
desenvolvimento empresarial, promovendo novas áreas de criação de emprego,
desburocratizando e criando um bom ambiente de negócios, estimulando a
concorrência, garantindo a regulação e melhorando a governação societária;
· Consolidar as finanças públicas;
· Modernizar a Administração Pública para facilitar a vida aos cidadãos e às
empresas e para adequá-la aos objectivos do crescimento.
A agenda económica do Governo tem como objectivo aumentar, de forma sustentada, o
crescimento potencial da nossa economia para 3%, durante esta legislatura. Só com o
crescimento da economia poderemos resolver o problema do desemprego e combater as
desigualdades sociais. Portugal deve ter como objectivo recuperar, nos próximos quatro anos, os cerca de 150.000 postos de trabalho perdidos na última legislatura.
Os destaques fui eu que os fiz. Antes, na página seis do mesmo documento, estava feito um resumo:
Em suma, a política do Governo desenvolver-se-á em torno de cinco grandes eixos:
· Retomar o crescimento da economia de forma sustentada e visando a
modernização do País, fazendo do conhecimento, da inovação, da qualificação
dos portugueses e da melhoria dos serviços do Estado os caminhos do
progresso;
· Reforçar a coesão nacional, numa sociedade com menos pobreza e com mais
igualdade de oportunidades, onde os instrumentos de coesão sejam também
ferramentas para o crescimento e a modernização;
· Melhorar a qualidade de vida dos portugueses num quadro sustentável de
desenvolvimento, onde a qualidade ambiental, a defesa dos consumidores e a
melhoria dos indicadores de bem-estar sejam uma realidade e onde a coesão
territorial seja, ela também, um factor de progresso do País;
· Elevar a qualidade da nossa democracia, reforçando a credibilidade do Estado e
do sistema político e fazendo dos sistemas de justiça e de segurança
instrumentos ao serviço de uma plena cidadania;
· Valorizar o posicionamento do País no quadro internacional, quer no plano
prioritário da União Europeia, quer no plano global, relançando a cooperação
externa, valorizando a cultura e a língua portuguesa no Mundo e construindo
uma política de defesa adequada à nossa inserção na comunidade
internacional.
A situação, ninguém o ignora, é muito difícil. Portugal enfrenta problemas complexos, que não podem ter uma solução imediata. Mas é clara a nossa tarefa, como é clara a nossa ambição: transformar o Portugal das fatalidades, no Portugal das oportunidades.
Qual foi então o progresso em cada um dos cinco eixos? A Economia vive tempos difíceis, mas será que não se repete o discurso das fatalidades (ver sublinhado)? A coesão social será possível quando há cada vez mais crivações entre as classes, professores, juízes, etc? Quais serão os indicadores de bem-estar (acesso à saúde, à educação, a informação)? De modo gratuito ou pago? Contribuirá para a coesão territorial todos os grandes projectos serem na área da capital? A credibilidade no sistema político choca com os números da abstenção, e os sistemas de justiça e segurança pouco têm feito pela cidadania, pelo contrário, os polícias são vítimas de violência e os juízes têm medo dos novos edifícios dos tribunais, como é que vamos melhorar a cidadania? Sobre a valorização da cultura e língua não me posso pronunciar, temos tidos grandes expoentes como Saramago ou Mariza, mas não sei mesmo em que medida a acção do Governo os tem ajudado.
Vão-me dizer que estou no bota-abaixo, a ser pessimista, que Portugal está muito melhor agora, que nem falei no magalhães. Ouçam, quem definiu os “cinco grandes eixos” não fui eu. Não estou a dizer que tudo é mau ou horrível, estou apenas a citar o programa, e acho justo que se avalie a execução do programa pelo que o programa promete cumprir, e não por qualquer métrica arbitrária. Sim, temos o programa SIMPLEX na administração pública que melhorou muito a vida dos portugueses, a Loja do Cidadão, a entrega do IRS pela Internet. O programa Novas Oportunidades, que se não conferiu qualificações, pelo menos conferiu certificações, o que é importante para atrair investimento. Obviamente que nem tudo é mau.
Eu sugiro-vos que façam vocês o vosso balanço entre o rumo que foi proposto, e quanto se progrediu nesse rumo.
E vejam então a relação entre a vergonha e a política, se temos políticos envergonhados, ou políticos sem-vergonha.